O
psiquiatra Duílio Antero de Camargo tem como um dos seus campos de
pesquisa o presenteísmo. Esse é um termo que significa "estar presente
no trabalho, mas com um sintoma leve de alguma doença ou distúrbio". A
pessoa não falta, mas trabalha doente. Não é só o trabalhador que perde com
isso. A empresa também perde.
"Pesquisas realizadas nos Estados Unidos demonstram que as perdas de
produtividade por depressão e dores sofridas por trabalhadores que não faltam
ao trabalho superam as perdas de produtividade derivadas do
absentesísmo", diz Camargo. Ele é um dos especialistas do setor de
Psiquiatria do trabalho do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas,
em São Paulo.
O presenteísmo é um problema conhecido pelos profissionais de recursos
humanos e pelos médicos do trabalho. A maioria deles, porém, se preocupa mais
com os fatores ambientais que provocam mal-estar e doenças: ergonomia, calor,
segurança do trabalho etc.
Duílio decidiu investigar um campo pouco explorado. Ele pesquisa os problemas
emocionais e os transtornos psiquiátricos originados no trabalho. Está
lançando o livro Psiquiatria ocupacional, pela Editora Atheneu. A obra pode
ser comprada na editora, mas só chegará às livrarias em maio.
Os transtornos mentais (entre eles, os depressivos) já são a terceira causa
de afastamento do trabalho no Brasil. Ficam atrás apenas dos acidentes e das
lesões conhecidas como LER/DORT, o conjunto de doenças provocadas pelo
esforço repetitivo. Na região sudeste, os transtornos mentais ocupam o
segundo lugar.
"A maioria das empresas trabalha com metas e impõe cobranças radicais. A
pressão exagerada por produtividade e o excesso de tensão provocam problemas
emocionais que podem desencadear transtornos mentais graves", diz
Camargo.
A coisa é mais ou menos assim: o funcionário trabalha num ritmo insano,
enfrenta pressões e acostuma-se a ouvir reclamações constantes da chefia em
reuniões constrangedoras. Passa anos nesse ritmo como se esse fosse o
ambiente natural de sua profissão. Não reclama, por medo de perder o emprego
ou porque não quer ser considerado um fraco.
Até que um dia os problemas emocionais começam a aparecer. Pode ficar
ansioso, meio deprimido ou sentir medo. Se isso durar um dia ou outro e não
atrapalhar a vida do sujeito, significa que ele ainda não está sofrendo de
uma doença psiquiátrica. Mas se a ansiedade, a depressão e o medo perdurarem
e começarem a provocar problemas físicos (taquicardia, hipertensão, dores de
cabeça, insônia, por exemplo) pode ser o sinal de que um transtorno mental
está instalado. Esse é um terreno fértil para uma série de males, entre eles
transtorno do pânico, depressão, transtornos do sono, síndrome de burnout
(esgotamento total) etc.
Você reconhece essa descrição? Aí no seu trabalho tem alguém que passou por
isso? Infelizmente essa é uma situação corriqueira. Até recentemente, os
empregados tinham grande dificuldade de comprovar na Justiça que os
transtornos psiquiátricos eram provocados pelo trabalho. Duílio e outros
profissionais procuraram estabelecer aquilo que na linguagem jurídica se
chama nexo causal. Ou seja: de que forma a situação vivida no trabalho pode
ter provocado o dano observado.
A depressão do sujeito foi disparada pelo chefe ou pelo casamento ruim? Pelo
assédio moral na empresa ou por sua condição sócio-econômica? No livro,
Duílio apresenta um questionário que ajuda o médico do trabalho, os
psiquiatras e os peritos a fazer essa distinção.
Ele também analisou as ementas de 56 processos julgados e que tiveram o nexo
causal reconhecido. A pesquisa é apresentada em tabelas que relacionam a
síndrome psiquiátrica, o nexo causal e os sintomas associados. Elas revelam
histórias exemplares da extensão dos danos que um ambiente de trabalho doente
pode provocar. É o caso do funcionário que sofreu rebaixamento de cargo e
redução de salário. Como se não bastasse, foi transferido para outra cidade e
perdeu o direito à moradia. O resultado foi perturbação mental e suicídio.
Será que é tão difícil construir um ambiente profissional saudável? É natural
que o relacionamento entre chefes e subordinados seja conflituoso. Ele
envolve relações de poder e uma convivência forçada entre pessoas que não se
escolheram. Se homens e mulheres que se casam apaixonados e de livre e
espontânea vontade às vezes brigam como cães e gatos, o que esperar da
relação entre chefes e funcionários que trocam gentilezas contínuas como se
estivessem prestes a entrar num ringue de Vale-Tudo?
Acho que uma regra básica do bom senso deveria prevalecer: não faço aos
outros aquilo que não gostaria que fizessem a mim. Essa norma simples já
seria capaz de evitar muito do desrespeito e dos danos emocionais que ouvimos
por aí. Os tantos conflitos do mundo corporativo demonstram que a coisa deve
ser muito mais complicada do que isso.
Há saída? Segundo Duílio, as empresas precisam ser sensibilizadas e criar
programas preventivos. Isso significa avaliar a saúde mental dos funcionários
por meio de questionários e testes e ensinar as pessoas que ocupam cargos de
chefia a lidar com emoções. "Não adianta tentar mexer na base. Quem tem
o poder é que precisa aprender a lidar com gente e a zelar pela saúde mental
de todos", diz Duílio.
Os danos emocionais são especialmente perversos quando acometem os
profissionais que ganham os menores salários. Aqueles que estão indefesos,
sem a menor condição de pagar uma psicoterapia ou um tratamento psiquiátrico.
Os profissionais mais qualificados têm a chance de colocar na balança as
perdas e os ganhos que cada empresa oferece.
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